Tema

Autor: Luiz Fagundes Duarte

Diz-nos Camões, n’Os Lusíadas, que Vénus — a Deusa do Amor, muito nossa amiga — pediu a seu filho Cupido que premiasse os marinheiros portugueses pelos enormes trabalhos e vitórias que tinham tido na descoberta do caminho marítimo para a Índia e, assim, de um novo mundo. E deu-lhe esta ideia: colocar-lhes no caminho de regresso a casa uma ilha muito bela, cheiinha de saborosos manjares e de belas ninfas amorosas, onde eles encontrariam o prémio do repouso e o deleite do prazer, e gerariam fortes e belas crianças que seriam os novos portugueses nascidos do mar numa ilha abençoada pelos deuses. Ao que Cupido — que era o Amor em pessoa — respondeu que sim e logo convocou todas as ninfas dos mares — as Nereides —, utilizando aquele seu ardil que todos bem conhecemos: alvejava-as com as setas do seu arco, e elas, à medida que iam sendo atingidas, suspiravam ardentemente e, «do doce amor vencidas», preparavam-se para se oferecerem aos marinheiros de quem, mesmo sem os terem visto ainda, já conheciam a fama. E que fama!

E foi assim que surgiu do meio do mar uma ilha, sem dúvida que puxada por Vénus, que mesmo de longe os marinheiros acharam que era fresca, bela, formosa, alegre e deleitosa — e na qual, como nos narra Camões, viriam a passar-se coisas tais e tão boas que ainda hoje nos fazem ferver a imaginação.

Há quem garanta que esta ilha foi uma fantasia do poeta, e que não passa de uma construção simbólica própria de um poema épico feito à maneira da Odisseia de Homero ou da Eneida de Vergílio, nas quais heróis valorosos como Ulisses ou Eneias, após longas e perigosas viagens marítimas, acabavam por arribar a uma ilha abençoada onde eram premiados pelos seus feitos e pelo conhecimento assim adquirido. Pode ser.

Mas também pode ser que Camões se tenha inspirado numa das muitas ilhas que povoam os oceanos Atlântico e Índico e que, ficando nas rotas de ida e volta entre Portugal e a Índia, consoante os ventos e as correntes, terá obrigatoriamente visitado nas suas andanças por esse mundo fora. Pensemos, por exemplo, nas ilhas de Bombaim, Angediva, Zanzibar ou de Moçambique, no Índico, e, no Atlântico, nas de Santa Helena, Santiago e, por fim e mais importante, a nossa Terceira — que, nas viagens de regresso, era a última escala das naus antes de Lisboa, seu destino final.

E porque em matérias como estas não há que escolher entre realidade ou fantasia, fiquemo-nos pela fantasia de que a Terceira poderá ter servido de modelo a Camões para construir a sua «ilha namorada», a que também chamou «ilha de Vénus» e que a tradição viria a rebaptizar como «Ilha dos Amores». Se for verdade, coisa que ninguém poderá comprovar, tanto melhor e ficamos todos contentes; mas se for fantasia, o que também ninguém comprovará, nada de mal daí virá ao mundo: a verdade é que Camões passou por aqui, e poderá ter namoriscado alguma das nossas ninfas — enquanto nós seremos rebentos longínquos de amores em algum tempo havidos entre valentes marinheiros e doces ninfas do mar…